Reajuste dos preços está em trajetória de queda

"A inflação está sob controle" 

Data: 21/11/2011
Veículo: VEJA
Editoria: ENTREVISTA
Assunto principal:  ASSUNTOS AFINS

Entrevista com Alexandre Tombini 

O presidente do Banco Central afirma que o reajuste dos preços está em trajetória de queda e que o Brasil tem artilharia suficiente para combater os efeitos da crise na Europa

Giuliano Guandalini

Os presidentes do Banco Central, o BC, estão habituados, no Brasil, a sofrer com o fogo amigo disparado de dentro do governo. É assim porque o BC, na sua missão de combate ao reajuste de preços, precisa muitas vezes elevar a taxa de juros e esfriar o ritmo de crescimento do PIB. Com Alexandre Tombini, que assumiu a presidência da instituição em janeiro, tem sido diferente. As críticas mais incisivas vêm sendo feitas por analistas do mercado financeiro. Eles argumentam que o BC passou a ser mais tolerante com a inflação em favor do desejo do governo de manter a economia em ritmo acelerado. A autonomia de Tombini foi ainda mais questionada depois de o BC ter reduzido a taxa básica de juros, a Selic, mesmo com a inflação acima da meta estipulada pelo governo, que é de 4,5% ao ano, com tolerância até 6,5%. Falando a VEJA na semana passada, em Brasília, Tombini foi assertivo: "O BC tem metas para a inflação, não metas para o crescimento ou para a taxa de juros". De acordo com o economista, o ritmo na alta de preços está em queda e a inflação ficará em torno de 4,5% em 2012. Funcionário de carreira do BC e prestes a completar 48 anos, Tombini já ocupou diversas diretorias na instituição e trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington. A seguir, a entrevista.


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"Posso assegurar que o Brasil está mais preparado hoje do que estava em 2008 para enfrentar uma crise externa."


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A Europa está no foco das atenções internacionais. A crise agora se aproxima de algumas das maiores economias do mundo, como a Itália e até mesmo a França. Existe uma saída à vista?


Vivemos a repercussão da crise de 2008 e 2009. Os países empregaram políticas agressivas para dar apoio à economia, tanto no campo fiscal (aumento dos gastos públicos) como na área monetária (diminuição nas taxas de juros ). Essa ação contribuiu para dar um piso à crise. Os países emergentes, menos afetados, tiveram uma recuperação rápida e estão, em termos gerais, numa situação confortável. Mas os países desenvolvidos enfrentam o legado de uma deterioração de suas finanças. A dívida pública deles cresceu muito, num curto espaço de tempo. A reversão desse quadro se dará em um processo longo e sujeito a sobressaltos. Conhecemos bem, no Brasil, uma situação dessas. Vivenciamos experiências semelhantes no passado. Nesse ambiente, os agentes do mercado financeiro começam a questionar a capacidade desses países de pagar as suas dívidas. Não se sairá dessa crise da noite para o dia. Levará tempo até que a confiança seja restabelecida. As autoridades europeias estão trabalhando num plano de ação, mas ainda precisamos ver como ele será executado.


Como o Brasil será atingido pelo agravamento da crise europeia?


Posso assegurar que o Brasil está bem preparado para enfrentar uma piora na economia internacional. Estamos mais preparados do que estávamos em 2008. Cito os motivos para o meu otimismo. Hoje as reservas internacionais em moeda estrangeira são superiores a 350 bilhões de dólares, contra 205 bilhões naquele período. O total de recursos dos depósitos compulsórios, dinheiro do sistema financeiro retido pelo Banco Central, soma 440 bilhões de reais, ante os 270 bilhões em 2008. São recursos que podem ser liberados para estimular a economia. O governo brasileiro também já deu mostras de que vai preservar o equilíbrio orçamentário, o que deverá ser um diferencial em um momento no qual os países ricos vivem uma crise fiscal. Contudo, a economia mundial crescerá em ritmo inferior ao que se imaginava. Poderá haver um impacto no comércio exterior, afetando as exportações brasileiras.


A economia brasileira iniciou 2011 em ritmo de crescimento acelerado. Muitos julgavam inclusive que havia uma bolha nela. Os indicadores mais recentes, no entanto, mostram uma freada na atividade econômica. Foi o efeito da crise externa?


Desde o fim de julho e o início de agosto começou a ficar mais evidente a desaceleração da economia brasileira. Sabíamos que as medidas de restrição ao crédito e também o aumento dos juros efetuado entre janeiro e julho, para combater a inflação, teriam um impacto mais forte no segundo semestre do ano, como de fato ocorreu. Ao mesmo tempo, houve um agravamento do quadro internacional. Por isso, além da esperada desaceleração da atividade no Brasil, houve uma perda de ritmo lá fora.


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"O Banco Central não faz apostas. Toma decisões objetivas a partir de suas análises, tendo sempre em vista os cenários interno e externo. Sabíamos que haveria um pico da inflação, e depois ela passaria a cair."


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Mesmo com a queda no ritmo de crescimento, a inflação brasileira permanece em um patamar elevado, acima do limite superior da meta de inflação para este ano, que é de 6,5%. Diante desse cenário, não foi uma aposta arriscada ter reduzido a taxa básica de juros, a Selic?


O BC não faz apostas. Toma decisões objetivas a partir de suas análises, tendo sempre em vista os cenários interno e externo. Em março, no relatório de inflação publicado trimestralmente, explicitamos que a convergência da inflação para a meta de 4,5% ocorreria em 2012. Naquele momento. o iPCA já acumulava 2,3% em três meses. Seria impraticável atingir o centro da meta de 4,5% em 2011. Sabíamos que haveria um pico da inflação no terceiro trimestre, e depois ela passaria a cair. No sistema de metas de inflação, as decisões devem ser tomadas olhando para a frente. No passado, muitas vezes decidimos subir a taxa de juros mesmo quando a inflação aparentemente não trazia preocupações. Agora, ao contrário, decidimos diminuir a Selic porque avaliamos que já estava em curso uma desaceleração da economia. Posso dizer que a inflação está sob controle. A projeção do BC e a expectativa do mercado indicam que a inflação encerrará 2011 dentro do intervalo da meta. O importante, no entanto, é que, depois do pico atingido em setembro, entramos em uma trajetória de declínio, que permitirá uma convergência para o centro da meta, que é de 4,5%, no fim de 2012.


O Banco Central tem meta de inflação ou de crescimento?


O BC tem duas missões: colocar a inflação na meta estabelecida pelo governo e preservar a estabilidade do sistema financeiro. Não trabalhamos com metas para a taxa de juros nem com metas para o crescimento.


A presidente Dilma Rousseff concorda com isso?


A presidente Dilma tem reiterado que a política monetária está a cargo do Banco Central. Desde que fui convidado para assumir a presidência do BC, em novembro de 2010, recebi dela a determinação de atuar com autonomia na condução da política monetária. Temos autonomia para trabalhar e, como disse a própria presidente, a meta que o BC tem de perseguir é a da inflação.


Na avaliação de Banco Central, qual o ritmo em que a economia brasileira pode crescer sem despertar pressões inflacionárias mais intensas?


O BC observa, constantemente, as condições de oferta da economia e analisa qual seria o crescimento da demanda compatível com a meta de estabilidade monetária, ou seja, com a manutenção da inflação dentro da meta. Assim sendo, estimamos que o chamado PIB potencial (taxa de crescimento não inflacionário) para a economia brasileira esteja entre 4,5% e 5%. Em 2010, crescemos 7,5%. Mas o ritmo, como já disse, vem se moderando. Calculamos que o crescimento será de 3,5% em 2011. A médio prazo, caso não haja nenhum novo choque na economia mundial, acredito que possamos crescer entre 4,5% e 5%.


Por que o Brasil, não sendo o pior país do mundo, possui a maior taxa real de juros?


A taxa brasileira tem diminuído. Nos últimos anos, o país avançou em tópicos que permitirão uma convergência para padrões internacionais. A dívida pública brasileira, medida como proporção do PIB, está em queda. O Brasil superou também a restrição da necessidade de financiamento externo e passou a ser credor em moeda estrangeira. A propósito, no meio da crise internacional, o país fez recentemente uma captação externa ao custo mais baixo da sua história. Tenho certeza de que o custo do dinheiro continuará a cair no Brasil, mas é um processo que leva tempo.


Uma teoria diz que os juros são altos porque os bancos lucram mais com isso. É verdade?


Não. Os bancos, em geral, lucram concedendo empréstimos. Se ganhassem mais dinheiro com juros maiores, um supermercado ganharia mais com o aumento do preço que paga pelos produtos que revende. Tudo depende da diferença entre o preço cobrado pelo fornecedor e o pago pelo consumidor.


Outra teoria diz que a Selic tem pouco efeito sofre a inflação, por dois motivos. Primeiro, porque boa parte do crédito vem de linhas direcionadas, como as do BNDES, com juros abaixo dos cobrados pelo mercado. Segundo, porque os juros do crediário no comércio são bem mais elevados do que a Selic, e isso independe das decisões do BC. É verdade?


Não. Dois terços do crédito disponível na economia são de empréstimos com taxas de mercado, que sofrem, sim, influência direta da Selic. Quando subimos os juros, o dinheiro fica mais caro para as pessoas e para as empresas, o que contribui para conter a demanda e, assim, controlar a inflação. A política monetária vem aumentando o seu grau de influência. O número de contas de brasileiros no sistema financeiro dobrou na última década.


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"Temos duas missões: colocar a inflação na meta estabelecida pelo governo e preservar a estabilidade do sistema financeiro. Não trabalhamos com metas para a taxa de juros nem para o crescimento"


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A meta de inflação no Brasil, de 4,5%, é uma das mais elevadas no mundo. Em outros países, ela costuma ser fixada ao redor de 2%. O Brasil tem condições de ter uma taxa mais baixa?


Acredito que não, a curto prazo. A inflação global elevou-se nos últimos trimestres. Vários países estão com a inflação acima da meta. Há muita liquidez nos mercados financeiros, e houve o choque de alta no preço das commodities. Não temos espaço, portanto, para rever a meta brasileira neste momento. Uma decisão dessas dependerá de como vai evoluir a conjuntura brasileira e internacional.


Correm suspeitas, no mercado financeiro, de que certos bancos têm obtido informações privilegiadas com relação às decisões de juros do BC. Essas instituições teriam acesso antecipado às decisões do Comitê de Política Monetária, o Copom, auferindo lucros vultosos. Uma investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apura essas alegações. Existe a possibilidade de as decisões do BC terem vazado?


Não há como vazar a nossa decisão. O Copom se reúne a cada seis semanas. São dois dias de deliberações, e a definição da taxa de juros ocorre sempre no fim do segundo dia do encontro da diretoria colegiada. Tão logo haja uma decisão, ela é comunicada simultaneamente a todas as instituições. Existe uma liturgia bastante rígida e bem definida. Se há conjecturas sobre qual será a decisão do BC, são leituras dos agentes do mercado financeiro. Não dizem respeito ao BC.


O senhor participa de diversas reuniões com os presidentes dos principais bancos centrais do mundo. Nessas conversas, quais as lições deixadas pela crise?


Existe hoje o consenso de que só a estabilidade monetária, com inflação sob controle e crescimento econômico, não afasta todos os riscos. Até 2008, a economia mundial vivia dias de inflação baixa e crescimento rápido. Criou-se a sensação de que os riscos haviam sido superados. Essa situação acabou dando um grande estímulo ao aumento do endividamento, tanto das pessoas quanto das empresas. O problema é que, quando a percepção de risco aumenta, a economia fica sujeita a uma reversão muito intensa, como ocorreu em 2008. Por essa razão alguns bancos centrais, como o brasileiro, procuram cada vez mais utilizar também medidas prudenciais.


Como funcionam essas medidas?


Aumentar a regulação financeira em momentos de euforia é um exemplo. Fizemos isso no início do ano. A intenção foi desestimular as operações de crédito de prazo longo. O resultado é que as instituições financeiras passaram a ser mais criteriosas na concessão de financiamentos. Constatado isso, decidimos reduzir recentemente as medidas de restrição ao crédito. Mas continuaremos atentos para evitar a formação de bolhas financeiras na economia


Extraído de Clipping FECOMERCIODF

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